Toda pessoa que escreve já deve ter enfrentado o seguinte dilema: escrever de uma forma tão clara que as pessoas entendam a mensagem sem maiores dificuldades ou então produzir textos mais elaborados, com características intrínsecas e tão próprias que, mesmo que isso exija mais esforço do leitor , expressam a identidade do escritor, de modo a criar um ambiente de intimidação com os leitores mais assíduos.
Mesmo que alguns não percebam esse impasse, os escritores já devem ter se questionado “será que vão entender o que realmente quero dizer?” enquanto trabalhavam como letras.
Certamente, quem escreve crônicas ou então poesia, quando para escrever um conto, por exemplo, há de se expressar de maneira diferente. Exige-se, para cada formato, uma adequação. Mas disso, quem cuida é o gênero textual. De todo modo, há de ser percebida uma espécie de assinatura na escrita. Sem querer entrar numa onda paranormal, mas quando alguém se dedica a escrever, parece que fragmentos metafísicos da pessoa ficam ali presentes. Lendo Dostoiévski , é possível sentir a angústia e amargura que possivelmente assolavam o autor quando escreveu:
“Sou um homem doente… Sou mau. Não tenho atrativos” (Notas do Subsolo)
Se o autor russo estava vivo e teve que escrever um pequeno artigo sobre as eleições locais para um jornal de uma cidade no interior de São Paulo, como seria? Ainda que, com certa sobriedade que exclua (ou excluam) os artigos de jornais, outros colunistas enfatizaram a alegria e felicidade dos correligionários do candidato eleito, o velho Dostoiévski talvez começaria seu texto com algo do tipo: “Em clima fúnebre, governistas ainda terão de velar seu projeto político falido até a posse da nova gestão. Até lá, talvez não haja forma suficiente para impedir ou retardar a putrefação do personagem derrotado, ao passo que o ambiente fétido já começa a indicar a podridão nos bastidores e chamar a atenção do tribunal de contas. Para uns, a posse, para outros, o poço.”
Autointitulado escritor e observador político que sou, encaro atualmente o dilema que mencionei no primeiro parágrafo. Confesso que a política já não é lá essas coisas simples de se entender, quem dirá explicar (em forma de texto então…), além disso, escrever nos dias de hoje tem sido como falar com as paredes.
Penso que as coisas que mais amamos na vida são aquelas nas quais estamos sempre pensando em como melhorar.
Política, escrita e paternidade são as coisas em que mais vezes penso em como posso ser melhor. Praticamente toda a minha vida e minhas relações pessoais e profissionais estão em torno destas três pautas. São três assuntos delicados que tiram meu sono e me provocam reflexões que beiram crises existenciais. Confesso que essas reflexões me rendem boas crônicas e me ajudam a me conectar melhor com esses nichos da minha vida.
Quase sempre me pego pensando em como entender melhor não só a conjuntura, mas o rito e a forma da questão legal/regimental da política doméstica (e também a internacional), para poder refletir e escrever melhor sobre esse tema que eu julgo vital não só na minha vida.
Sobre a paternidade, quase sempre me pego pensando em como ser um pai melhor para meus filhos, considerando que minha referência paterna é igual a zero e tudo o que eu acho que sei sobre o assunto não é o suficiente (ainda bem).
Por fim, minha resiliente cômoda de uma gaveta só ao lado da minha cama, segue firme segurando alguns muitos livros que vão de romance adolescente, passando por Truques da Escrita , direito constitucional, direito eleitoral, até teoria do Estado, ciência política e etc. Tudo isso para exercer o cuidado de não me expor ao ridículo e me desvencilhar cada vez mais do senso comum que tem dominado os espaços de debate sério, com posições sem qualquer tipo de fundamento ou embasamento.
Em tempos de polarização, há uma certa pressão sobre as pessoas para que se posicionem a todo tempo e em tempo. Basta surgir uma polêmica qualquer e você já está condicionado a emitir seu parecer sobre o tema (que nem deu tempo de ser analisado, ou sequer mereça toda essa atenção) declarando “de que lado você está”.
Toda essa “indústria do julgamento” tem sido adestrada por uma geração que se vê na obrigação de cancelar ou exaltar figuras envolvidas em contextos (nem sempre) polêmicos. Com isso, uma reflexão sobre questões realmente importantes passa despercebida, sancionada e vigorada imediatamente ou 45 dias depois.
Um texto que não menciona alguma figura notória logo no título, parece ser insuficiente para elevar o nível de dopamina dos “juízes da internet”. É preciso falar com alguém, tomar posição, sair de cima do muro, escolher a cor e balançar a bandeira, custe o que custar. Não tem meio termo.
Voltamos ao dilema: Criticar um ato do governo, sem mencionar o chefe do executivo, pode subir vago, oposicionista moderado ou governista ressentido.
Por outro lado, conceda nominalmente a responsabilidade ao mandatário, faz de ti um lacaio da oposição, oportunista, vigarista, inimigo.
Seja como for, quem escreve está sempre se posicionando, não importa em qual ala da sociedade. Identidade na escrita leva tempo e o preço é alto. Poucos são os que conseguem imprimir características próprias em seus textos, ao ponto de, mesmo por meio de pseudônimos, serem pegos pelos leitores mais íntimos (não é o mesmo senhor Álvaro de Campos? Ou melhor, Fernando Pessoa).
Sigo nessa luta constante entre vida e escrita, tentando imprimir minha identidade nas coisas que escrevi. O desafio maior é transformar os pensamentos expostos em algo atemporal, permitindo que, mesmo com o passar dos tempos, as pessoas me encontrem, me conheçam e se conectem a mim e às minhas ideias, mesmo não sendo contemporâneo.
(Esta é a primeira vez que piso neste planeta laranja e, diferente das redes sociais convencionais, parece que aqui ainda não foi colonizado.)
Canhoto, aquariano (legítimo de janeiro), com um senso incomum, saio por aí refletindo, escrevendo, criticando. Por hoje, encarei o dilema que me sonda e empaco minhas produções e optei por mesclar claramente com uma pitada de intrínsecidade. Sem querer dar nomes aos bois, espero que você entenda do que estou falando.